sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O ano da estupidez: ficção que poderá tornar-se realidade?

Por Juliana Radler, especial para a Envolverde/Rebia

Estamos em 2055. O Ártico não é mais uma paisagem repleta de brancas geleiras. Transformou-se num longo oceano de ondas e marés. No meio desse oceano ergue-se uma enorme torre futurista onde o único habitante é um homem guardião dos resquícios de nossa civilização, interpretado pelo grande ator inglês Pete Postlethwaite (Jurassic Park, Em nome do pai, Alien, O Jardineiro Fiel, entre outros). O filme "The Age of Stupid" (O ano da estupidez), um misto de documentário com ficção, teve sua premier durante a Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, que ocorre em Poznan, na Polônia, até o dia 12 de dezembro.
Produção totalmente independente dirigida pela jovem britânica Franny Armstrong, o filme que levou quatro anos para ser finalizado, tem como meta ser visto por 250 milhões de pessoas até a próxima conferência do Clima que ocorrerá na Dinamarca no fim de 2009. Durante esse período, os realizadores em parceria com organizações não governamentais, institutos de pesquisa e pessoas ao redor do mundo engajadas na questão ambiental, esperam pressionar governos e sensibilizar a opinião pública para a necessidade de termos um compromisso eficaz na redução dos gases causadores do efeito estufa. "É a minha contribuição para a questão climática", ressaltou Armstrong.
Através da história de vida de seis personagens reais, Postlethwaite vai narrando a nossa incapacidade de mudar hábitos destrutivos, de adotar novas formas de energia limpas e renováveis e, sobretudo, de ir contra o consumismo e o poder das grandes corporações. A busca por lucros crescentes às custas da degradação ambiental e da exploração dos habitantes dos países mais pobres é mostrada, por exemplo, com o caso da Shell na Nigéria. Lafeya Malin é uma nigeriana que vivia da pesca em seu vilarejo até a chegada da Shell. Com a contaminação dos rios e a total destruição do meio ambiente local, Malin passa a atuar no mercado negro do diesel surgido justamente com a chegada da corporação. Sem cumprir seus compromissos de reduzir o impacto ambiental local e investir em projetos sociais junto às comunidades, a Shell deixou um rastro sujo, que custou a vida de centenas de nigerianos mortos no típico silêncio das mortes dos pobres do mundo.
Na outra ponta, o filme mostra também o desenvolvimento econômico das economias emergentes e como a sede de lucros também nos levou à catástrofe. O executivo indiano Jeh Wadia foi acompanhado pela equipe de Armstrong durante o período de aprovação de sua companhia aérea, a "Go Air", cujo objetivo é oferecer tarifas irrisórias para vôos domésticos na Índia. "Temos 50 milhões de indianos andando de trem diariamente na Índia. Queremos que uma parcela dessas pessoas passe a andar de avião", afirma Wadia no filme, ignorando o fato de que o setor de aviação é um dos maiores emissores de gases do efeito estufa.
São, enfim, histórias de vida reais. Documentários vistos no futuro pelo guardião dos nossos vestígios, que, indignado, questiona-se: "Nós poderíamos ter salvado a nós mesmos, mas não o fizemos. É espantoso. Em que estado mental nos encontrávamos para estar diante da extinção e simplesmente dar de ombros, ignorar?"
Depois do documentário "Uma verdade inconveniente", de Al Gore, que sensibilizou milhares de pessoas para os riscos das mudanças climáticas, "O ano da estupidez" espera ser um sinal de alerta, uma sirene tocando alto em 2009 até a decisiva conferência do Clima de Copenhagem, onde serão traçadas as estratégias futuras para conter as mudanças climáticas. Esperamos não ser lembrados como os estúpidos e irracionais que na ânsia do consumo e da riqueza não fomos capazes de mudar, de nos tornarmos sustentáveis e preservamos a nossa própria espécie. Como coloca o filósofo alemão Hans Jonas, em seu imperativo ético relacionado à evolução da tecnociência: "Aja de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica" ou formulado negativamente "não ponhas em perigo a continuidade indefinida da humanidade na Terra".

Mais informações sobre o filme em http://www.ageofstupid.net ou http://www.greenpeace.org/kyoto.

Nenhum comentário: